Pobreza menstrual trata-se da impossibilidade de acesso a produtos apropriados para o cuidado da higiene menstrual como: absorventes descartáveis, de tecido ou reutilizáveis; também coletores menstruais, calcinhas absorventes; assim como papel higiênico e sabonete. Para além dos produtos adequados, caracteriza-se ainda pela ausência de banheiros seguros e em bom estado de conservação; acesso a saneamento básico e coleta de lixo. Considera-se também, a falta de acesso a medicamentos para administração e/ou tratamento que garanta a saúde menstrual, assim como a insuficiência ou imprecisão de informações sobre a saúde ginecológica, os ciclos menstruais e o conhecimento sobre o próprio corpo.
De acordo com o relatório “A Pobreza Menstrual Vivenciada Pelas Meninas Brasileiras” divulgado em maio de 2021 pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), é muito comum o total desconhecimento sobre o assunto da pobreza menstrual no Brasil.
E por isso, tem sido considerando um problema complexo, multidimensional e transdisciplinar, dado que a menstruação ainda é tratada como um tabu social. Este tabu fica fácil de ser percebido já pelo não nomear o termo menstruação, mesmo que este indique um fenômeno fisiológico recorrente. É mais comum ouvir expressões que provoquem certo eufemismo como: “estar naqueles dias”, “estar de chico”, “regra”. Tais substituições demonstram a tentativa de silenciar e invisibilizar um fenômeno natural.
Logo, o tabu causa danos a meninas, mulheres, homens trans e pessoas não binárias, pois o não-dizer impede uma boa comunicação sobre o assunto e o acesso a informações importantes para o cuidado da saúde, fomentando inúmeros preconceitos.
O tabu permeia todas as classes sociais, porém pessoas em situações de vulnerabilidade sofrem os maiores danos da pobreza menstrual. Em outro relatório sobre o assunto “Livre para menstruar” realizado pelo movimento Girls Up Brasil (fundado pelo fundo das Nações Unidas) lançado em 2021, defende-se que:
“a menstruação está intrinsecamente relacionada à dignidade humana, pois quando as pessoas não podem acessar instalações de banho seguras e meios seguros e eficazes de administrar sua higiene menstrual, elas não são capazes de administrar sua menstruação com dignidade. As provocações, a exclusão e a vergonha relacionadas à menstruação também comprometem o princípio da dignidade humana. Assim, a dignidade menstrual tem por meta remover qualquer ameaça a uma vivência da menstruação como fenômeno natural e saudável”.
No Brasil, estima-se que 30% da população menstrua, isso significa em torno de 60 milhões de mulher e meninas que demandam artigos e recursos que garantam a dignidade menstrual. No entanto, 1,5 milhão destas vivem em residências sem banheiros. 17% das meninas até 19 anos e 11% das mulheres com mais de 80 anos não possuem acesso a rede de distribuição de água. Cerca de 11% das escolas que recebem meninas, que passam pelo menos 4 anos de sua vida menstrual no ensino, não possuem banheiro, como é o caso dos estados do Maranhão, Paraíba, Roraima e Acre. Mesmo nas escolas que possuem sanitários estima-se que 37% não contém sabonete (Girls Up Brasil).
Ainda, é necessário considerar o custo dos produtos de menstruação, pois, atualmente, não são tratados como itens básicos de higiene e por isso não constam em cestas básicas e nem são subsidiados pelo governo. Estima-se que uma mulher gaste entre R$ 3 mil e R$ 8 mil com absorventes ao longo de sua vida menstrual. Sendo que a renda anual dos 5% mais pobres é em torno de R$ 1.920, isso significaria 4 anos para pagar apenas absorventes. Lembrando, que muitas das meninas que menstruam não tem poder algum sobre a distribuição orçamentária da família e acabam não tendo acesso a tais artigos de higiene. O impacto desta falta é grande no presente e no futuro como vemos por estes assustadores números:
"Dados da ONU apontam que, no mundo, uma em cada dez meninas falta às aulas durante o período menstrual. No Brasil, esse número é ainda maior: uma entre quatro estudantes já deixou de ir à escola por não ter absorventes"(Agência Senado).
Relatos de substituição do absorvente por papel higiênico, jornal, lixo e até miolo de pão não são incomuns e podem trazer grandes danos à saúde feminina. O que poderia ser simples para muitas famílias brasileiras que é o acesso ao absorvente, pode representar liberdade para muitas outras mulheres como foi retratado pelo documentário ganhador do Oscar de 2019: “Absorvendo o Tabu”. Ele retrata o quanto ainda o tema é tabu e o quanto as mulheres são prejudicadas pela falta de dignidade menstrual.
O primeiro passo para lidar com tabus é sempre começar falando sobre ele e aqui reforçamos a necessidade de falar a palavra MENSTRUAÇÃO com todas as letras, diminuindo cada vez mais a vergonha e o incomodo de um fenômeno tão natural e cíclico. A HAJA em suas reuniões com as mulheres das comunidades que atende está atenta a pobreza menstrual e trabalha junto com as mulheres para diminuir preconceitos, ter acesso a saúde e a informações confiáveis.
Também, valorizamos cartões alimentações justamente pela liberdade da mulher poder incluir o absorvente em seus itens básicos, mas torcemos para que as pessoas, empresas e o governo se conscientizem desse item nas cestas básica. Fazemos parte dessa luta justa para a dignidade menstrual, isso inclui direito à agua, ao saneamento, à coleta de lixo adequada.
E esperamos que esse artigo traga mais consciência para o que realmente é pobreza menstrual e o impacto que isso pode ter em pelos menos 30% da população brasileira. Juntos, podemos oferecer um lugar mais justo para meninas, mulheres, homens trans e pessoas não binárias viverem. Ser livre para menstruar tranquilamente é ser livre para poder existir de forma digna.
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