Para entender o que é racismo ambiental é importante que façamos uma breve reflexão sobre como o Brasil se desenvolveu enquanto nação, pois nosso país colhe os frutos do colonialismo. Assim, por volta do ano de 1500, reis, rainhas e nobres europeus buscavam fontes de recursos naturais (lugares para extrair) com intuito de enriquecer, garantir novas colônias e provar seu poder diante dos demais monarcas da época.
Pindorama - como os povos tupis-guaranis que moravam por aqui nomearam nosso país – chama a atenção da Europa pela sua natureza e começa a ser explorada e colonizada com bastante violência pelos exércitos e pessoas enviadas pelos nobres de Portugal, em especial, mas também espanhóis, ingleses, holandeses, franceses, etc.
Diferente da “conquista” de outros países, Portugal, ao ganhar a disputa entre outras nações, divide o território brasileiro entre os nobres portugueses através das capitanias hereditárias. Esses nobres passam a ter “direitos” institucionalizados, ou seja, legalizados pelos europeus. E quem vivia por aqui, os colonizados, são obrigados a trabalhar para “colher” os recursos e dar estes aos colonos de forma escrava; aqueles que não concordavam com isso eram mortos.
Foram muitos anos de colonização e muita violência, vários povos originários foram massacrados e muitas pessoas da África foram trazidas ao Brasil com promessas falsas ou foram raptados para servir de mão-de-obra escrava. Aqui, os traficantes de gente faziam questão de separar as pessoas que falavam a mesma língua como forma de enfraquecer a união do grupo e deixá-los mais vulneráveis. Além disso, a Igreja da época pregava que eram como animais, sem alma, logo podiam ser maltratados sem problemas, assim como os povos indígenas, simplesmente, porque não tinham os mesmos costumes europeus. Estes se achavam melhores e mais desenvolvidos.
Ou seja, o que chamamos de Brasil nasce de um racismo (a imposição violenta de uma raça) contra os povos originários e africanos e vai se manter assim, excluindo quem não faz parte da nobreza, logo, recusa a todos os outros o acesso ao poder da terra, à produção, ao capital. Essa exclusão traz, mesmo com a democracia (tardia) brasileira, a falta de poder dos demais grupos sociais na política, na economia, na educação, na saúde. Tantos séculos fizeram com que, ainda hoje, a maioria das pessoas que possuem grandes poderes no país sejam descendentes daquelas famílias ou representam elas nas decisões e nos interesses cruciais que mantêm seus “lugares ao sol”, principalmente nas grandes capitais.
Os pobres e excluídos foram se tornando, em boa parte, os povos indígenas e seus descendentes que sobreviveram ao massacre colono, os povos africanos escravizados e posteriormente “libertados” sem mudança de status social e seus descendentes, assim como outros povos que sobreviveram com costumes tradicionais como os ribeirinhos, pequenos pescadores, povos do agreste e povoados que sofrem com as consequências da exploração de minérios, como no caso de Mariana e Brumadinho.
A cor da pele no Brasil foi e ainda é um indicativo visual de quem se aproxima, mais ou menos, dessa nobreza europeia que ainda habita o imaginário, a mídia televisiva e os cinemas. E é para a proteção da branquitude que desde a época de colônia os bairros foram geograficamente sendo construídos para separar ao máximo os nobres do escravizados. Inclusive europeus e orientais foram incentivados a vir para o Brasil para garantir uma maioria branca. Uma proteção social criada geograficamente, politicamente, socialmente por esse histórico que, infelizmente, prova-se a todo instante que não foi superado, por isso falamos que o racismo é estruturante (pilar de construção), pois o sistema foi baseado na proteção da branquitude e na exclusão da raça indígena, negra e seus descendentes.
Tendo essa versão histórica colocada, fica mais fácil entender que o racismo ambiental é um termo que aponta para a questão de que as áreas ambientalmente prejudicadas não são escolhidas aleatoriamente, elas tendem a preservar e proteger o interesse dessas “famílias nobres” e sucessores na medida que eles possuem o poder político, capital e social para a tomada dessas decisões e querem se proteger e se favorecer. As consequências negativas dessas decisões recaem então sobre os grupos mais vulneráveis que representam as “raças” menos nobres, menos importantes.
E é justamente nesses territórios racialmente e ambientalmente descriminados que os projetos da HAJA são desenvolvidos. Duque de Caxias na região metropolitana do Rio de Janeiro foi escolhido para abrigar o Aterro Sanitário de Jardim Gramacho que recebeu o lixo da capital por mais de três décadas, não atoa, mas por ser um território longe das zonas nobres cariocas, “menos valioso” em diversos aspectos. Após ser fechado foi abandonado, assim como a população que vive por ali. As obras para sanear a área nunca aconteceram, e a população, em sua maioria negra, ainda vive em cima do lixão com diversos riscos de saúde por não terem outras opções de renda e moradia. Para além do lixão, Duque de Caxias sofre com contaminação do ar e da água pela instalação de grandes empresas que não têm compromisso ambiental com quem vive na região.
Outro projeto fica no Morro do Borel, que faz parte de um grande conglomerado de favelas no bairro da Tijuca na Zona Norte da capital do Rio de Janeiro. Sua origem, também, faz parte do racismo ambiental. Sua população inicial eram os antigos moradores do Morro do Castelo, que ficava no Centro carioca, eles foram removidos da área e tiveram suas terras usadas para aterrar parte da Urca, da Lagoa Rodrigo de Freitas, do Jardim Botânico e algumas áreas baixas ao redor da Baía de Guanabara, quem precisou sair dali se transferiu para o que é hoje o Morro do Borel.
Assim, compreendemos que é importante entender o racismo ambiental para além do termo teórico. Ele faz parte da formação do país e de como suas desigualdades sociais foram formatadas e mantidas. E a HAJA tem o compromisso de não ser mais uma fonte de replicação dessa cultura, ela possui um olhar humanizado e entende que as vulnerabilidades não definem uma população, e sim sua resistência, potência e força que chamam a atenção e que é o combustível para criar uma cultura mais justa.
Saber como o Brasil surgiu permite que comecemos a romper com a violência e opressão reproduzida há muitos e muitos séculos e que todos nós ainda fazemos diariamente. Aos mais privilegiados fica a importante tarefa de rever o quanto ainda é difícil não agir de forma racista, pois é algo entranhado nas nossas raízes. Também, fica a ideia de poder ter ações mais justas. Aos menos privilegiados, entender a história da colonização e do racismo ambiental pode, quem sabe, ajudar na compreensão da potência do existir diante de séculos de história que não permitiu o acesso aos próprios direitos humanos. Junta-se a HAJA para contribuir com uma história mais justa para as populações que sofrem com o racismo ambiental.
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